terça-feira, 18 de maio de 2010

Unção em Betânia: Aos pés do Amado!


“Então Maria levou quase meio litro de perfume de nardo e muito caro. Ungiu com ele os pés de Jesuse os enxugou com os cabelos” (Jo 12,3).

Viver longe de qualquer sofrimento parece ser cada vez mais atrativo. Tudo quanto for possível, no intuito de afastar um sacrifício, torna-se válido e prudente. E se acaso sabe-se de alguma situação desagradável – quanto desespero se não se pode evitá-lo. Falta-nos aquele espírito que nos inspire uma configuração perfeita com o Senhor que caminha para o Calvário, sem desviar-se...
No primeiro dia daquela semana, a última de Jesus, estava ele num jantar, quando uma mulher resolve expressar todo o seu amor, ungindo-o com especial perfume. Segundo o evangelista João, esta mulher que não tem nome nos sinótico Mt 26,7; Mc 14,13; Lc 7,37, é Maria, a irmã de Marta e Lázaro. Este gesto que será também contado em sua memória (cf. Mt 26,13; Mc 14,9), leva-nos a refletir acerca de nossa atitude com o Bem Amado, quando da proximidade de sua Paixão.

Vale lembrar que Maria deveria estar senvindo e não entre os convivas, visto que só os homens deveriam estar à mesa, como era de costume. Mas quem pode conter-se quando o Amado está por perto? Quem é capaz de não prostrar-se em adoração diante de Jesus que se deixa ver e tocar? E não foi diferente. Todas as barreiras foram vencidas. É preciso estar aos seus pés. É preciso ouvir Dele, qual é o nosso lugar...

Aquela mulher, certamente, jamais esqueceu o olhar com que o Cristo lhe mirou o mais profundo de seu ser: desvendando segredos, curando traumas e situações difíceis, como só Ele pode fazer. Imaginemos com que ternura Ele afagou seus cabelos, redimindo todo o seu pensar e todo o seu agir, libertando-a das inúmeras caricaturas que lhe fora apresentadas como imagens suas, turvando a busca verdadeira de um Cristo amante que se esvazia de seu ser igual a Deus para derramar-se sobre todos os seus amados, seus irmãos (cf. Fl 2,5-11).

Em nosso caminho para o Calvário, precisamos nos encontrar com o Amado de nass’Alma. E diante Dele e a seus pés, derramar toda a preciosidade de nosso ser em busca do que seremos Nele e por sua Sagrada Paixão. A seus pés não há ciência que nos auxilie, não há catequese que nos ensine, não há palavra que nos interprete. Há apenas o adorar sem tempo, lugar ou formas. Há, apenas, o encontro verdadeiro entre pessoas íntegras por essência: o meu Eu, despido dos condicionamentos e máscaras sociais e um Tu, que se traduz num Eu-Humano-Divino, revelado em sua essência divina, tal qual o é o Deus Trino. Aqui, trava-se um diálogo entre duas liberdades: a nossa, pois diante dele somos totalmente livres e a Dele, como fonte cristalina de nosso ser mais pessoa e mais divino pela semelhança que nos garante a dignidade de filhos.

Segundo o Evangelho de Marcos 14,3, a mulher “que quebrando o frasco” se dirige a Jesus. Isso parece nos indicar significativo ato de quem se abre à ação de Deus, de quem vai para a oração com tudo o que tem e é; não se apegando às dificuldades e situações sombrias, quebrantando o coração diante de Deus – uma vez que Deus não resiste a um coração quebrantado (cf. Sl 34,18) – para no mais profundo silêncio do corpo, mente e coração, gritar a Ele o que realmente nos falta para sermos seus seguidores até a cruz.

Os aspectos da misericórdia e do perdão são acentuados por Lucas 7,37, ao apresentar a tal mulher como uma “conhecida como pecadora”. Neste episódio ela “se coloca por trás, chorando aos pés de Jesus; com as lagrimas começou a banhar-lhes os pés (Jo 7,38). Em seguida os enxugou com os cabelos, cobrindo-os de beijos e os ungia com o perfume”. É um ato de total despojamento diante de Jesus: as lagrimas expressão seu absoluto arrependimento que chega aos pés de Jesus – Ele ouve nossas preces, Ele sente nossas lagrimas de arrependimento – Ela enxugou seus pés com os cabelos, colocando toda sua dignidade à disposição do Amado: não há vergonha ou receio de rejeição; o amor fala mais alto do que as convenções sociais. Precisamos superar nosso orgulho, nosso medo do ridículo e abraçar, de fato, a causa pela qual nos decidimos. Nada pode nos desviar do caminho de cristificação ao qual o próprio Cristo nos chama.

Por fim, sejamos como óleo derramado e de valor incalculável, com o qual preparamos os corpos dos Cristos de nossos tempos, os pobres, que caminham que para o Calvário de suas vidas. Sejamos o beijo que não trai (Lc 22,47-48), mas nos serve de sinal de comunhão com o que vai acontecer... Nem sempre teremos tempo para dizer que amamos, que esta ou aquela pessoa é importante. Esta pode ser a minha última chance de amar, de dizer o bem, de ser mais de Deus, de me arrepender, de ir para além de mim mesmo, de superar dificuldades por amor ao Amor que me amou. E por fim, ouvir Dele mesmo a aprovação deste ato: “Deixe-a. ela guardou este perfume para o Dia do meu sepultamento” (Jo 12,7).