segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Àquele Semeador...



“Um Semeador saiu a semear” (Jo 4,3).

Uma das mais belas imagens que nos apresentam os Evangelhos é aquela de Jesus que ensina às pessoas. Na perícope de Mc 4,1-9, Jesus está ensinando e logo se junta uma multidão ao seu redor. Por isso ele entra numa barca e, sentando-se, contempla cada um dos presentes. Certamente ele percebeu que aquelas pessoas tinham sede de sua palavra. Seu olhar sereno e amoroso encontrou-se com olhares famintos de atenção, de amor, de carinho, de uma palavra verdadeira e de acolhimento. Afinal, não eram poucos os que falavam, como hoje, em nome de Deus.

E Jesus fala de um Semeador que saiu para semear: Ele tem uma missão! Portanto, todo o seu agir será para cumpri-la e tudo quanto o atinja ou favoreça, será por esta sua missão. Jesus não diz se será ele vitorioso – o que importa é a razão pela qual ele saiu. E, neste caso, foi para semear. E assim o fez. Porém, parece que displicentemente. Perceba que, diz o texto, que uma parte caiu “aqui”, outra “ali”, e assim por diante. Mas todo homem do campo sabe que se deve preparar terreno para só depois e observando o “cio da terra”, depositar as sementes. Então, por que este lança sementes em todo terreno pelo caminho?

O texto em questão inicia e finda a fala de Jesus com os verbos: “escutar” e “ouvir” – o primeiro como quem adverte antes de dizer algo extraordinário: “Escutem...” o que vai ser dito é muito importante. Imaginemos que uma multidão não é fácil de se conter. É um empurra-empurra, é aquela falação e, em se tratando de pessoas que queriam ouvir um profeta, ou curador, ou agitador – pois eram muitos e variados os motivos que levavam a Jesus – deveriam ser muitas as discussões sobre quem ele era e o que deveria fazer. Mas é nesse contexto e por isso mesmo que a perícope referida termina com o verbo “ouvir”, numa frase que por si só já se configura como uma parábola emblemática, repetida também em outras situações: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!”
 

Portanto, ouçamos o que ele diz à nossa alma sedenta de seu semear... Primeiro nos coloquemos à beira do caminho. E quem é que vive à beira do caminho, às margens da sociedade e, não poucas vezes, longe de nossas relações e do nosso território de evangelização? É isso mesmo! Somos a “criança de rua”, a mãe de filhos nos pontos de ônibus, o doente abandonado e sem tratamento, o deficiente, o marginal, a prostituta e tantos outros do “lado de lá”. Somos os sem alma..., sem dignidade..., sem nada. Esperamos aquele que passa, aquele que semeia. Somos terrenos ávidos por ser fecundado e só aquela palavra nos sacia e alimenta – mas a nossa oração não é coisa do dia-a-dia, a celebração é cansativa e a Bíblia só serve para enfeitar o móvel lá da sala; nossa fé não tem raízes profundas, é frágil; não resiste aos pássaros da TV, das revistas, das festas e de qualquer outro “passa-tempo” que devoram cada semente caída em nosso coração, ainda que quiséssemos que fosse diferente.

Outras vezes e a pesar de um coração pedrificado pela incredulidade e má vontade, algumas sementes nos são proclamadas. Mas quede o perdão? Quede o amor pelo irmão? Quede aquela amizade sincera? Quede a caridade? Quede aquela palavra de acolhimento? Quede aquele olhar com o qual Jesus ganhava o amor de quem por Ele era mirado? Ficou tudo na superficialidade, ficou tudo no raso poço de águas sujas pelas picuinhas e fofocas do dia de cada dia igual a ontem.

Houve também uma outra oportunidade e não tivemos a sabedoria das rosas que, não obstante os espinhos, ultrapassa-os e além, e por cima deles, desabrocham em beleza e perfume. E quem não floresce, também não dá frutos!

O Semeador, porém, não é de se deixar “mofinar”, pois, sabe que terra é para se semear, assim como o homem foi feito para amar. E como disse o profeta Isaias, “a palavra de Deus não retorna sem realizar seu ofício” (cf. Is 55,11) que é o de tornar as pessoas mais conscientes do amor do Pai e, por isso, somos irmanados no amor Trino. Conscientes deste mistério nos tornamos terrenos onde se colhem muitos celeiros a cada safra. E não apenas quantidade, mas sobretudo a qualidade do que nos tornamos na escuta da Palavra é superior a tudo – o trabalho, o estudo, a missão, as injúrias, as perseguições, tudo é vocação – Tudo vale à pena por amor àquele Amor... Por amor àquele Semeador...

“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!”

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